Perdida em mim

"Não sei quantas almas tenho
Cada momento mudei
Continuamente me estranho
Nunca me vi nem acabei
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma, não tem calma.
Quem vê é só o que vê.
Quem sente não é quem é.

Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.

Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei me senti.
Releio e digo: "Fui eu?"
Deus, sabe porque o escreveu."

[Não sei quantas almas tenho, Fernando Pessoa]

Defina-se: Quem sou eu? Onde está escondida a verdade profunda de mim mesma? Quem eu sou? Quem são essas estranhas criaturas que em mim habitam e divagam? O que eu busco? O que eu quero? Quais são meus anseios e exigências? Onde estou? Para onde vou? Onde minha alma - ou serão minhas almas? - pretende(m) chegar?
Pausa. Silêncio. Reflexão. Descubra-se, se for capaz. Revele-se, se tiver coragem. Exponha-se, se conseguir. Mas continue a incessante busca por si mesmo. Profundo em demasia? Essa sou eu. Demasiado complicado? Assim também sou eu. Afinal, Deus sabe porque o escreveu.

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